A seguinte resenha está focada no trabalho de Eni P. Orlandi (2003), intitulado A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. A obra discute todas aquelas questões relevantes, segundo a autora, que relacionam a análise do discurso com as tradições intelectuais arraigadas no Brasil, fundamentadas no pensamento discursivo francês de Michel Pêcheux. Este pensamento coloca o discurso como espaço de observação, dessa relação entre sujeito, língua e ideologia. Essas ideias estão atreladas às ideias de outros autores ligados com essa temática e que são apresentadas nesta resenha igualmente. Ao final, seguem observações pessoais sobre o impacto do discurso dentro do contexto da prática acadêmica e de investigação no Brasil.
O Brasil é um dos países em que mais se desenvolvem estudos no campo da Análise de Discurso (AD), especificamente no enfoque filiado aos trabalhos de Michel Pêcheux. A presença, no Brasil, da Análise de Discurso de inspiração pecheutiana é constante desde o fim dos anos de 1970, e se encontra amplamente difundida com importante produção bibliográfica e incessante produção de trabalhos acadêmicos em níveis da educação superior (PIOVEZANI; SARGENTINI, 2011). No entanto, Orlandi (2003) argumenta que a ”Escola” francesa da análise do discurso atual não coincide com os analistas que atualmente institucionalizam a prática do que chamam Análise de Discurso. Ao mesmo tempo, existem outros analistas e pesquisadores que não possuem afiliação teórica em AD francesa, embora tenham sido afetados por esta filiação. Portanto, a autora chama de uma conceptualização atualizada do que é essa escola discursiva, hoje em dia, no Brasil.
Com relação ao discurso, a reflexão desenvolvida por Orlandi (2003, 2009) sobre o funcionamento discursivo explora e descreve uma corpora de natureza diversa e heterogênea. A língua é fato social, menciona a autora, e atribui poder de palavra e de saber. Deste modo, o funcionamento discursivo é pensar no discurso segundo uma perspectiva histórico-social, numa relação que vai além da língua e da fala. Machado (2012) diz que se parte da ideia de discurso como uma visão semântica mais global dos efeitos de sentido e a luz da dialogicidade. A abordagem discursiva, objeto da Semântica, excede os limites da linguística; isto e, “a relação entre as significações de um texto e as suas condições sócio-históricas é constitutiva das próprias significações” (ORLANDI, 2003, p.8). Consequentemente, a linguagem, não se apresenta apenas como ampliação do ponto de vista didático, mas como um processo de reflexão que interroga teorias e as relações contraditórias dentro do campo de sua vivência. Pensamos a língua como fato e significamos o que é social, ligando a língua e a exterioridade, a língua e a ideologia, a ideologia e o inconsciente.
Parte de estudar o funcionamento discursivo é compreender o que é ideologia. A representação dá visibilidade ao mecanismo de funcionamento da ideologia e do sujeito. Definitivamente, a conjunção entre língua e história só pode ser dada pela ação da ideologia (ORLANDI, 2009). A autora argumenta que pensar na ideologia a partir da linguagem pode nos induzir a compreendê-la de maneira diferente, não só sociologicamente. Orlandi destaca que a ideologia se trata como mecanismo estruturante do processo de significação, abandona-se, portanto, essa ocultação dentro de uma definição de conteúdo. Ela não é ocultamento da realidade, mas um organismo estruturante do processo de significação. Podemos concluir, consequentemente, que a ideologia se liga inseparavelmente a interpretação enquanto fato fundamental que assiste à relação da história com a língua, na medida em que está articulada à definição do que se exibe como forma material.
Tudo isso antes dito nos leva a refletir sobre a complexidade, a importância e a relevância do discurso como objeto de investigação. Precisa-se redefinir, através das várias ciências, na academia, o contexto histórico – social amplo do qualquer país, permitindo compreender melhor as redes sociais que se desenvolvem em determinadas comunidades. A redefinição do que é político, ideológico, histórico e social é importante, fazendo intervir a linguagem. No caso da linguagem, é essencial lembrar a necessidade de repensar as relações entre semântica e léxico, aspectos morfossintáticos, sintaxe etc., Além disso, para as ciências, como a psicanálise, a noção de discurso emerge questões que interrogam o papel do sujeito no mundo. Definitivamente, é preciso ter outros instrumentos para compreender a ideologia discursiva, os quais exigem ressignificações teóricas, descobrimentos e mudanças. Um trabalho que merece ser continuado por pesquisadores na era atual.
Referências
- MACHADO, R. P. B. (2012). O discurso parodístico: da constituição à comunicação. Signum: Estudos da Linguagem, 15(3), 247-271.
- ORLANDI, E. P. (2003). A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. Seminário de Estudos em Análise de Discurso, 1, 8-18.
- ORLANDI, E. P. (2009). Análise de discurso: princípios e procedimentos. In Análise de discurso: princípios e procedimentos. Pontes.
- PIOVEZANI, C., & SARGENTINI, V. (2011). Legados de Michel Pêcheux e paradoxos da Análise do discurso no Brasil. Legados de Michel Pêcheux: inéditos em análise do discurso. São Paulo: Contexto.